APRESENTAÇÃO

Qual é a situação atual dos estudos filosóficos no Brasil e na América Latina? Por que nos departamentos de filosofia não são ensinados os filósofos brasileiros e latino-americanos? Não sendo eles considerados genuinos filósofos, qual é a noção de filosofia que se utiliza para operar tal exclusão? Quais são os pensadores que Brasil já teve? Fomentam os departamentos de filosofia o desenvolvimento de filósofos? A 39a Semana de Filosofia da UnB se propõe refletir sobre estas questões, convidando 6 estudiosos do pensamento nacional e latino-americano, 3 deles coordenadores dos mais importantes grupos de estudo de Filosofia no Brasil.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Conferência de Abertura: A Ideia de Filosofia Brasileira. Luiz Alberto Cerqueira

Luiz Alberto Cerqueira
Centro de Filosofia Brasileira, IFCS, UFRJ

A Ideia de Filosofia Brasileira como Problema

O que é isso - “filosofia no Brasil” ou  “filosofia brasileira”?
Ambas as expressões significam o mesmo. Queremos tratar do que os gregos denominaram φĭλοσοφία, cuja origem é a admiração (qαυμαστόν), e cuja possibilidade de conhecimento é a indiferença do sujeito em relação a seu corpo e ao entorno físico: “O filósofo [...] só de corpo está presente na cidade em que habita” (PLATÃO, Teeteto, 174 a). 

Indiferença e Vida Teórica
Essa indiferença não é alienação; é a condição de o indivíduo ver a si mesmo como sujeito de conhecimento, e de ver um problema como problema universal. No Protréptico, Aristóteles compara a atividade do estudioso absorto na ciência pura ao pasmo dos theoroí, como eram chamados os espectadores nos jogos de Olímpia: nesse contexto, qewre?n significa tanto o ato de assistir a um espetáculo quanto a contemplação e a pesquisa no sentido “teórico”.

Indiferença e Conhecimento de Si
Essa indiferença, que caracteriza a vida teórica para o efeito (i) de tornar o indivíduo sujeito de um saber universal, e (ii) de libertá-lo dos próprios apetites, que o escravizam, para torná-lo apto para a vida em sociedade, essa indiferença é, por si mesma, a evidência das condições subjetivas de todo o conhecimento teórico e prático. Eis a resposta de Sócrates à questão “O que é conhecimento?” - “Conhece-te a ti mesmo”.

A Liberdade da Indiferença
1. Quando aprendemos uma ciência, não incorreremos em erro se dermos nosso consentimento apenas ao que entendemos de maneira clara e distinta;
2. Mas se, por um lado, nosso entendimento é limitado apenas ao que se nos apresenta, por outro, a nossa vontade parece ilimitada em nosso poder livre de agir indiferentemente de um modo ou do modo contrário;
3. Por essa liberdade da indiferença, que conheço em mim, posso impedir a mim mesmo de consentir naquilo que ainda não entendo claramente, se tenho dúvida.

Liberdade da Indiferença e Ação Moral
“Neste mundo racional do homem, o primeiro móbil de todas as nossas ações é o conhecimento de nós mesmos [...] ainda que o homem verdadeiramente é composto de corpo e alma, quem se conhece pela parte do corpo ignora-se, e só quem se conhece pela parte da alma se conhece [...] separemos [...] ao senhor do escravo [...] livre a alma dos embaraços e dependências do corpo, obra com outras espécies, com outra luz, com outra liberdade [...] Oh que obras seriam as nossas tão outras do que são!” (VIEIRA, As Cinco Pedras da Funda de Davi, 1676).

Liberdade da Indiferença e Vida Civil
• Entretanto, para se compreender o papel da liberdade na dinâmica do saber e na formação do sujeito moral, não basta ressaltar a necessidade do conhecimento de si: é preciso levar em conta que o conhecimento de si, por sua vez, sofre a influência da cultura a que o sujeito pertence como povo.
• “O corpo não nos foi dado como uma condição de saber e de querer, mas como uma sujeição que coarctasse esse poder livre, de que abusaríamos, chamando-nos à vida prática” (MAGALHÃES, Fatos do espírito humano, cap. XV).

Filosofia e Nacionalidade
Ao observarmos a necessidade do conhecimento de si a partir de dentro dos limites da cultura a que o sujeito pertence como povo,  queremos mostrar a liberdade da indiferença como condição essencial para o uso teórico da razão na mesma medida em que a nacionalidade do sujeito - o ser grego, alemão, francês, brasileiro, etc. – é algo absolutamente acidental.
Por ser acidental, a nacionalidade do sujeito pensante não impede nem o seu próprio uso teórico da razão, nem a sua visão dos problemas vividos como problemas universais. 

Formação Filosófica e Consciência de Si como Povo
Quando digo “filosofia brasileira” ou “filosofia no Brasil” refiro-me precisamente a uma instância da ideia de que toda a formação filosófica se dá dentro dos limites da natureza histórico-cultural do sujeito, em termos de princípios e valores. 

Centro de Filosofia Brasileira
IFCS/UFRJ

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